Antes de mais nada, é bom frisar: um bom filme pode fazer sucesso, passar indiferente pelos cinemas ou simplesmente ser um fracasso. Mas para quem produz o filme, é sempre bom que ele funcione nas bilheterias, já que o fracasso inviabiliza outros filmes. E você perde dinheiro. Ou entra em falência, dependendo de quanto se investe. Embora no Brasil isso não aconteça, já que o dinheiro, em sua maioria, é estatal. Mas em países onde há investimento privado no cinema, como a Índia, esse risco existe.
Por isso, é interessante falar sobre "Stree", um filme recentíssimo, que mistura comédia e terror, algo que não é inédito no cinema indiano, mas que, dessa vez, atingiu uma fórmula bem azeitada que caiu no gosto do público (agora sim) de uma forma inédita. Afinal, como diz o título do post, o filme custou pouco mais de 3 milhões de dólares e sua renda bruta foi um pouco mais de 25 milhões de dólares. Um sucesso inusitado, já que filmes de terror não são o gênero mais apreciado pelos indianos. Mas esse agradou. Em grande parte por que ele se foca mais no suspense e na comédia do que exatamente no terror. Não que ele não exista, mas, considerando que o terror depende de maquiagem e efeitos especiais e essa não é a especialidade do cinema indiano, criar expectativa e alívio cômico é um jeito mais eficiente de dar certo do que tentar se igualar a filmes americanos que custam muito mais do que "Stree" e adentram em um mundo de perversidades que talvez não fosse bem recebido pela maioria do público indiano.
A escolha de Rajkummar Rao para o papel de protagonista também foi uma decisão acertada, já que Rajkummar é, hoje em dia, um dos atores jovens mais promissores da Índia. Recentemente ele fez alguns ótimos filmes, como "Newton", além de já estar participando de filmes relevantes para o cinema indiano nos últimos seis ou sete anos, como "Shahid". Outro acerto é depender em grande parte da capacidade narrativa do filme, algo muito comum no cinema indiano, já que, por natureza, os filmes são mais longos do que os ocidentais. Uma narrativa mais longa demanda uma progressão bem feita para que o eixo narrativo não se perca. E os indianos são bons nessa arte que, em grande parte, se diluiu um pouco no cinema comercial americano.
A história do filme se baseia numa lenda urbana que ficou conhecida nos anos 90 em Karnataka, a lenda de "Nale Ba". Na cidade de Chanderi, há uma lenda de que uma fantasma ataca e sequestra os homens desse local durante os quatro dias de um festival. Por isso, os habitantes escrevem em frente de suas casas uma mensagem que suplica para que ela volte no dia seguinte. Vicky é um costureiro conhecido pela sua perícia e não acredita nessa lenda. Mas, quando o festival se aproxima, ele é procurado por uma mulher bonita e misteriosa que encomenda um vestido. Os amigos de Vicky ficam desconfiados dela e fazem com que ele próprio fique desconfiado. Enquanto isso, homens começam a desaparecer da cidade e os moradores entram em desespero. Vicky e seus amigos decidem investigar a fundo a história e libertar a cidade da maldição que a aflige.
Claramente, o filme foi projetado para atingir um grande público. Um de seus pontos fracos pode ter nascido daí. Apesar do suspense funcionar por dois terços do filme, no terço final, o filme se transforma em um drama e em um filme de ação sobrenatural, mais que um suspense ou terror. E o conflito se resolve de uma maneira mais leve do que poderia se fosse um terror ou um suspense mais puro. A comédia e a redenção triunfam no final, o que não é completamente ruim, mas, o fato disso acontecer quase que sem ambiguidades ou uma visão mais complexa do problema, faz com que o filme perca um pouco do seu poder de fogo. No entanto, os últimos planos e, principalmente, seu último plano, devolvem uma certa ambiguidade e até um certo mistério para a história.
O que fica é que, ao apostarem em uma mistura inusitada para o cinema indiano, os realizadores se deram bem. A comédia, que, no começo, possui um lado de "filme de adolescente", vai, aos poucos se abrindo para o humor físico e a comédia romântica. O papel da mulher na sociedade também é um assunto que se infiltra aos poucos no filme até que tome um lugar de destaque na resolução da trama. Apenas o suspense, como já disse, que começa mais pesado, acaba ficando mais leve, o que me lembrou um pouco uma bela "sessão da tarde". O conjunto, no entanto, é suficientemente forte para resistir e para que valha a pena ser conferido.
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