"Talvar" tem um nome em português. É "Culpa Declarada", o que dá uma impressão de certeza que está muito longe do clima de incerteza que o filme cria e que não termina nem quando ele acaba. Interessante notar que é um filme de 2015 e representa algo que não existe no Brasil. O filme de baixo para médio orçamento que faz sucesso. Custou cerca de dois milhões de dólares e só nas bilheterias conseguiu quatro. Considerando as vendas para TV, cabo e outras "janelas" de exibição, provavelmente foi um sucesso. E é um filme comercial no gênero policial.
Mas, afinal de contas, por que falo sobre ele? Primeiro, seu foco é claro e é a fonte de sua qualidade. O filme todo se baseia no modo eficiente com que cria um clima de ambiguidade. O seu ponto forte é, basicamente, aceitar a imprecisão contida na narrativa original da história. Pois a história ficcional é baseada em um caso verídico de duplo assassinato que aconteceu na Índia em 2008 e que se tornou extremamente conhecido.
Vamos para a história: uma garota de 14 anos é encontrada morta no apartamento da família, pelos seus próprios pais. O principal suspeito é um homem chamado Khempal, um empregado da família. No entanto, ele é encontrado morto, o que faz com que os pais da garota se tornem os principais suspeitos. Khempal, por seu lado, tinha alguns amigos, que também acabam ficando na linha da polícia. A investigação se inicia e uma espiral de suspeitas se abre sobre todos os envolvidos.
Irrfan Khan interpreta o investigador que tenta solucionar o caso, mas o mais interessante é que esse investigador não será o único a tentar desvendar o mistério. Outras equipes serão formadas e os diversos pontos de vista irão se confrontar, criando o caos dentro de um mistério que, à primeira vista, teria um desfecho razoavelmente simples. O que dificulta a resolução do crime não é a impressão de estarmos diante de um criminoso ou um crime perfeitos. É a tendência que os personagens do filme têm de criarem narrativas tendenciosas, como se não conseguissem sair de suas próprias peles e ver a situação toda de uma forma mais objetiva.
Nesse sentido, o filme consegue, de uma forma atual, encarnar o conceito de "pós-verdade", onde é quase impossível constatar a realidade e aquilo que eu digo é verdade porque simplesmente eu quero que seja. Todos somos bons para tripudiar e destruir a ideia que os outros têm da realidade, mas, quando chega nossa vez de provar nosso ponto de vista, nossa versão da realidade terá o mesmo destino que as versões que desacreditamos e desvalorizamos. Justamente por que é impossível chegar a qualquer conclusão se não há um mínimo de respeito pelo outro.
Um mundo em que todos são egocêntricos está destinado a nunca chegar a lugar algum. E é um local onde nenhuma pergunta será respondida. Ou será respondida mil vezes, sem que nenhuma das respostas seja considerada verdadeira. Esse é o universo de "Talvar", é o universo do "talvez", nunca daquilo do que é ou foi. Poder representar isso em um filme comercial de (relativo) baixo orçamento e ainda assim fazer sucesso é um pequeno triunfo desse filme que parece humilde, mas que esconde muita ambição, principalmente em seu clímax.
Se não me engano, esse filme pode ser visto na Netflix.
Se não me engano, esse filme pode ser visto na Netflix.
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