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Será que o Cinema Indiano está indo pelo mesmo caminho do Cinema Brasileiro? O Multiplex pode matar Bollywood?


     A história no Brasil é conhecida. No final dos anos 90 e início do século XXI, o circuito exibidor brasileiro optou por um caminho. Modernizou suas salas de cinema através do multiplex. O ponto negativo é que o circuito diminuiu de tamanho, os cinemas de rua desapareceram, os ingressos começaram a aumentar de preço e o circuito se tornou extremamente elitizado. Hoje, para ir ao cinema, pagando a inteira, você gasta trinta reais no ingresso (ou mais) e, se comer pipoca e tomar refrigerante, pode dobrar o preço. Uma família com pai, mãe e dois filhos pode gastar uma fortuna no cinema comparado com o que ocorria há trinta ou quarenta anos atrás.
     Nada disso, como se sabe, é um processo natural. São escolhas. E só há duas, geralmente. Ou você abaixa o preço e populariza seu produto ou você aumenta o preço e fornece o que tem para uma elite. O Brasil optou por "elitizar" seu circuito exibidor (e olha que ele não era tão "popular" assim antes disso). A Índia, nesse sentido, até pouco tempo atrás, tinha tomado outro caminho. A maioria das salas de cinema no país eram aquilo que se chama de "single screen" e não o multiplex, onde você tem várias salas, menores e mais luxuosas. E que cobram caro.
     Mas, nos últimos anos, Bollywood tem passado por esse processo também. Houve a explosão do "multiplex". Hoje em dia há cerca de 6 mil cinemas "single screen" (havia 10 mil) e 2 mil e quinhentos multiplex. E, para 2019 ou 2020 espera-se que o número de multiplex passe dos 3 mil. Isso porque a cada ano há um aumento de 300 a 400 salas de cinema na Índia. No entanto, existe um problema nessa conta. A venda de ingressos, nos últimos anos, tem diminuído muito. O pico de venda foi cerca de 2 bilhões e meio de ingressos anuais. No entanto, pelo que se sabe, embora ainda não haja números oficiais, essa quantidade abaixou de dois ou três anos para cá. E por quê?
     O multiplex, como já dissemos, cobra mais caro. Ou seja, com menos pessoas, você consegue mais dinheiro. E isso fragmentou o mercado do cinema indiano, principalmente o falado em Hindi. Como? Quando os filmes são feitos, em sua maioria, são feitos já mirando no multiplex. Afinal, ele representa mais de 60% do faturamento de Bollywood. E uma das principais características do multiplex é que ele acolhe a diversificação. Isso permite que filmes como "Vicky Donor" (sobre um doador de esperma) ou "Piku" (sobre um homem que sofre de constipação) achem seu público. Antes, os filmes tinham que entrar em um largo circuito para dar certo. Hoje em dia, estreando em 800 a mil multiplexes e vendendo os direitos para a TV e para outras janelas online, muitas vezes isso já dá para que o filme pague seus custos ou até ganhe algum lucro. Mas, afinal de contas, o que tem de mal nisso? Diversificação não é bom? O problema é que esses mesmos filmes, que funcionam no multiplex, não dão certo no mercado de cinemas "single screen" que existe na maioria do país, pois não atende o público como um todo, só o público segmentado do multiplex. O cinema "single screen" necessita de filmes mais comerciais e acessíveis para terem sucesso. Ou seja, no geral, esses filmes "menores" acabam puxando a conta toda do cinema indiano para baixo, criando um problema.
     Para dar mais um exemplo, ao contrário de Bollywood, a indústria cinematográfica conhecida como "Tollywood" ainda está indo por outro caminho, já que ela continua a fazer filmes que poderiam ser chamados de "high-concept", focados em trazer as multidões aos cinemas. "Mersal" ou "Khaidi n.150" são hits que levam as pessoas ao cinema, como os antigos "blockbusters" impulsionados pelos cinemas de rua. E, mais ainda, nos estados de Andhra Pradesh e Tamil Nadu, há uma grande penetração de cinemas "single screen", o que faz com que a venda de ingressos em "Tollywood" não corra risco. Filmes em Telugu venderam cerca de 240 milhões de ingressos em 2017, enquanto filmes em Hindi (Bollywood) venderam cerca de 250 milhões. Só que a população que fala Hindi é seis vezes maior que a que fala Telugu. 
     O que alguns especialistas dizem é que vai ser muito difícil voltar atrás agora que esse mergulho no "modo multiplex" foi feito. Alguns anos atrás, Hollywood passou por uma crise parecida e conseguiu fazer as pessoas voltarem aos cinemas graças aos filmes de super-herói, as ficções científicas e, basicamente, graças a muito efeito especial e valores de produção. Muito dinheiro, basicamente, para enriquecer o espetáculo. Mas a indústria indiana, mesmo sendo milionária, não se compara com a americana. Embora em alguns filmes como "Baahubali" haja abundância de efeitos especiais e a arrecadação tenha sido farta, a indústria indiana não comporta um número muito grande desses filmes sendo feitos anualmente. Ou seja... será que Bollywood deu um passo em falso? Ou será que, como em outras vezes, ela será capaz de se revitalizar e vender ingressos como se fosse água? Ainda é impossível saber, mas, vai ser preciso optar por uma solução criativa e não o que o Brasil fez, quando, basicamente, concluiu que o melhor era diminuir o número de ingressos e aumentar seu custo. O resultado foi que dependemos que tenha um "Minha Mãe é uma Peça" ou um "Nada a Perder" para que o cinema brasileiro tenha um mínimo de público. Se não há nenhum desses filmes em vista, a arrecadação anual cai de 30% a 45%. E vai variando dessa maneira, como um cavalo galopante e louco. Hoje em dia, esse processo parece irreversível, já que o parque exibidor já se acostumou a ser um parque exibidor elitista que ganha o que precisa ganhar com poucos lançamentos e poucas salas de cinema (e muito cinema americano, bem, isso não é novidade para o Brasil). Mas pouco público no total, comparado com o que poderia ser, se o Brasil optasse por uma solução que não alienasse a maioria de sua população das salas de cinema.
     O Cinema Indiano está longe disso pois ainda detém quase 90% de domínio do mercado exibidor e seu problema ainda se dá muito mais na escolha entre "diversificação e queda de ingressos" ou "filmes comerciais e aumento nos ingressos", mas pode ser que a queda no número de ingressos vendidos e a elitização prejudique toda a indústria a longo prazo, quem sabe até, aumentando a chance dessas salas começarem a privilegiar mais o cinema americano, já que, como em qualquer país subdesenvolvido, os mais ricos tendem a gostar mais do cinema estrangeiro de primeiro mundo do que do cinema de seu próprio país. Que, na Índia, sempre sobreviveu graças aos cinemas "single screen". Então, a pergunta da manchete pode ser respondida com um "talvez, mas não agora"...

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